Retóricas africanas
Nossas Vozes
Retóricas africanas
Adivinhação em cascata, o
intercâmbio de ironias e sarcasmos entre o moenho da rainha e o capitão
português inscreve-se na tradição bantu do «diálogo enigmático» Cadornega na
sua História Geral das Guerras Angolanas
refere-se a esta tradição: “este gentio da província da Quissama fala oculto e
por apodos, metáforas e assim quem sabe o seu modo e é previsto na sua língua,
lhe fala e responde pelo mesmo estilo, com que os fazem dar com os pés um no
outro, dando como dizemos, com quem lhe sabe entender as invenções e maranhas”.
A retórica metafórica que Cadornega atribui ao “gentio da Quissama” é muito
comum na área bantu. Entre provérbios, adivinhanças, apólogos e troças ela
propicia uma ampla gama de géneros literários. Segundo Chatelain, um dos nomes
para designar a adivinha em Kimbundu, língua mais provável para a troca de
perfídias entre o emissário da rainha e o capitão português é nongonongo.
Héli Chatelain, o
missionário suíço que viveu em Angola depois de 1885, estudou algumas línguas,
nomeadamente o Kimbundu que ele designou “língua geral do antigo reino de
Angola, ao qual correspondem modernamente, Luanda, Bengo, Kwanza Norte, Kwanza
Sul e Malanje, embora a língua se fale noutras regiões do país. Deixou-nos uma
Gramática Elementar do Kimbundu ou Língua de Angola, impressa em Genebra em
1888-1889, recolhas de contos da tradição oral, e um espólio documental ainda
por estudar.
Sobre a literatura oral
escreveu: “Resta-nos falar da literatura puramente nacional a qual é, sem
dúvida, a mais valiosa e interessante, não obstante ainda não ter encontrado
quem a apreciasse e a tornasse pública pela imprensa. Consta de um rico tesouro
de provérbios ou adágios (jisabu, singular sabu), de contos ou apólogos
(misoso, sing), musoso de enigmas (jinongonongono, sing. nongonongo), de
cantigas aos quais se podem juntar as tradições históricas (malunda) e
mitológicas, os ditos populares, ora satíricos ora alusivos, ora alegóricos ou
figurados. Em todos os quais se condensou a experiência dos séculos e ainda
hoje se reflecte a vida moral e social, intelectual e imaginativa, doméstica e
política das gerações passadas: a alma da raça inteira…”
Não me consta que alguma
colecção de provérbios em Kimbundu fosse publicada antes da pequena que saiu à
luz no «Futuro de Angola» de 1988. Durante a nossa estada no sertão de Angola
coligimos uns cinquenta provérbios. Para a gramática demos preferência aos do
futuro de Angola para que viessem provar a exactidão das nossas regras.
Para os nossos ouvintes
alguns desses provérbios escolhidos por Héli Chatelain há muitos muitos anos:
“O carocinho, não
desprezes, um dia tornar-se-á uma grande pimenteira.”
“O caminho anda nele para
que lhe vejas a limpeza.”
“Não louves, até que
proves. Prova primeiro e fala depois.”
Ana Paula Tavares, RDPÁfrica, Janeiro de 2016
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