Ilustrações retiradas do livro: Francisco Topa (introdução recolha e edição), Luandino Por (Re)Conhecer. Uma entrevista, estórias dispersas, bibliografia, s.l., Sombra pela Cintura, 2014.
Nós Chorámos Pelo Cão Tinhoso Para a Isaura. Para o Luís B. Honwana Foi no tempo da oitava classe, na aula de português. Eu já tinha lido esse texto dois anos antes mas daquela vez a estória me parecia mais bem contada com detalhes que atrapalhavam uma pessoa só de ler ainda em leitura silenciosa - como a camarada professora de português tinha mandado. Era um texto muito conhecido em Luanda: "Nós matámos o Cão Tinhoso". Eu lembrava-me de tudo: do Ginho, da pressão de ar, da Isaura e das feridas penduradas do Cão Tinhoso. Nunca me esqueci disso: um cão com feridas penduradas. Os olhos do cão. Os olhos da Isaura. E agora de repente me aparecia tudo ali de novo. Fiquei atrapalhado. A camarada professora seleccionou uns tantos para a leitura integral do texto. Assim queria dizer que íamos ler o texto todo de rajada. Para não demorar muito, ela escolheu os que liam melhor. Nós, os da minha turma da oitava, éramos cinquenta e dois. Eu era o número cinquenta e u...
De repente, o boi explodiu. Rebentou sem um múúú´. No capim em volta choveram pedaços e fatias, grão e folhas de boi. A carne eram já borboletas vermelhas. Os ossos eram moedas espalhadas. Os chifres ficaram num qualquer ramo, balouçando a imitar a vida, no invisível do vento. O espanto não cabia em Azarias, o pequeno pastor. Ainda há um instante ele admirava o grande boi malhado, chamado de Mabata-bata. Era o maior da manada, régulo da chifraria, e estava destinado como prenda de lobolo do tio Raul, dono da criação. Azarias trabalhava para ele desde que ficara órfão. Despegava antes da luz para que os bois comessem o cacimbo das primeiras horas. Olhou a desgraça: o boi poeirado, eco de silêncio, sombra de nada. “ Deve ser foi um relâmpago” , pensou. Mas relâmpago não podia. O céu estava liso, azul sem mancha. De onde saíra o raio? Ou foi a terra que relampejou? Interrogou o horizonte, por cima das árvores. Talvez o ndla...
O LOBO E O CHIBINHO (Cabo Verde) Houve grande seca naquele ano. Nos campos não havia nem fio de palha para as alimárias. Ti’lobo andava muito magro, de corpo relampiado, e sem gosto nenhum na vida. Girava de campo em campo, à procura de qualquer coisa para lhe aguentar a debilidade, mas nada havia de subsistência para o seu estômago de comilão. Certo dia, já farto de andar, foi parar a uma fonte, a ver se por acaso encontraria por lá alguma Chibarrinha perdida da mãe. Deu logo de cara com Compadre Chibinho, que estava muito pachá a gozar a sombra de uma empena de barranco. Ti’Lobo arregalou os olhos. É que Compadre Chibinho estava gordo, bonito, tinha mesmo ar de quem tinha comida boa para encher as tripas do corpo. E Ti’Lobo disse: – Bi, Compadre Chibinho! Você está gordo, Deus o guarde! – Assim, assim, Ti’Lobo, o suficiente para safar este tempo de carestia… – Não, Compadre Chibinho, você tem comido em caldeira fina. Veja como estou. As minhas costelas parecem cordas de...
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